Os escândalos do rei D. João V, o Mulherengo (1689-1750)
O monarca, que governou numa época de abundância económica para Portugal, teve filhos de três freiras do Convento de Odivelas
É provavelmente o Rei mais conhecido pelas suas relações extraconjugais. E de todas as amantes, a mais famosa terá sido a madre Paula Silva, uma jovem morena, freira do Convento de Odivelas, para quem D. João V mandou construir aposentos sumptuosos, com tectos em talha dourada, onde era servida por nove criadas. Segundo o livro Amantes dos Reis de Portugal, de Paula Lourenço, Ana Cristina Pereira e Joana Troni, as camas eram de dossel, forradas com lâmina de prata e rodeadas de veludos vermelhos e dourados, e os jarros onde urinava eram de prata.
Ao longo dos 10 anos que durou esta relação, o Rei deu-lhe um rendimento anual de 1708$000 réis, segundo o livro As Amantes de D. João V, de Alberto Pimentel. Mas apenas podia ir para Odivelas ter relações com a freira quando o médico do paço o autorizava.
Em 1720, quando a madre Paula tinha 19 anos, deu à luz Gaspar, que era já o quarto filho bastardo do Monarca. O primeiro tinha nascido já após o casamento com D. Maria Ana de Áustria e era filho da sua primeira namorada, D. Filipa de Noronha, irmã do marquês de Cascais, seduzida quando D. João tinha apenas 15 anos.
O romance de D. João V e Madre paula, foi adaptado a uma série televisiva |
Rei D. João V teve os cognomes de “O Magnânimo” e “O Rei-Sol Português”, e alguns historiadores recordam-no também como O Freirático. “O Magnânimo”, dada a generosidade com que abriu mão de enormes fortunas, tanto para engrandecer a coroa como para satisfazer os seus caprichos pessoais. Além de monumentos como o Convento de Mafra e o Aqueduto das Águas Livres, que ainda hoje recordam o seu nome, gastou os proventos do Império na Guerra da Sucessão de Espanha, na batalha do Cabo Matapan contra os turcos, e na obtenção do Patriarcado para Lisboa, que incluiu a célebre embaixada ao papa Clemente XI, em 1716.
“O Rei-Sol Português”, em virtude do luxo de que se revestiu o seu reinado. Diz Veríssimo Serrão em «História de Portugal» que «era senhor de uma vasta cultura, bebida na infância com os padres Francisco da Cruz, João Seco e Luís Gonzaga, todos da Companhia de Jesus. Falava línguas, conhecia os autores clássicos e modernos, tinha boa cultura literária e científica e amava a música. Para a sua educação teria contribuído a própria mãe, que o educou e aos irmãos nas práticas religiosas e no pendor literário.»
Segundo o historiador Oliveira Martins, “D. João V perdia a cabeça por todas as mulheres, mas a sua verdadeira paixão estava em Odivelas, no ninho da madre Paula”. A verdade é que nesse tempo a vocação era uma das últimas razões para as mulheres irem para freiras e as visitas aos conventos faziam parte da etiqueta social.
O convívio proporcionava intimidade, os relacionamentos amorosos eram conhecidos e, desde que praticados com discrição, aceites. Era frequente um nobre “ter” a “sua” freira, com quem se correspondia, a quem visitava no convento onde se trocavam presentes – muitas vezes poemas por doces conventuais (ainda hoje têm fama a marmelada de Odivelas e o pudim da madre Paula) – e onde as celas se transformavam em alcovas.
O exagero dessa prática, denunciada – com objectivos opostos – por moralistas e libertinos, tomou-se escandaloso. Odivelas era um local assiduamente frequentado pela nobreza da corte na época em que Paula se tornou freira, e não faltariam, portanto, oportunidades para D. João V e os titulares que o rodeavam se deslocarem ao local.
Terá sido por esta altura que começaram os encontros entre o rei e Paula Teresa da Silva, uma vez que D. José de Bragança nasce, em Lisboa, no dia 8 de Setembro de 1720. Sobre a forma como se conheceram, existem versões sem grande credibilidade.
O Paço Real de D.Dinis no Mosteiro de Odivelas.Foi demolido nos anos 20 do século XX durante as grandes obras. (Foto SIPA). |
Da relação com a madre Paula ressalta uma enorme riqueza gasta para transformar uma modesta cela conventual em aposentos dignos de uma rainha. O Palácio Pimenta, ao Campo Grande, onde hoje está instalado o Museu da Cidade de Lisboa, foi mandado construir por D. João V para a mesma amante.
Os relatos que corriam na corte sobre o luxo da madre Paula, as suas mobílias preciosas, as roupas e as jóias impressionaram o viajante suíço César de Saussure, que referiu a ligação do rei e da freira no livro sobre a sua visita a Portugal, em 1730.
Mas D. João V teve outros filhos ilegítimos:
António, filho de uma francesa de nome desconhecido, mas que, segundo outros historiadores, seria filho de D. Luísa Inês Antónia Machado Monteiro. Doutorou-se em Teologia e veio a ser cavaleiro da Ordem de Cristo.
Gaspar, filho de uma religiosa, D. Madalena Máxima de Miranda (Madalena Máxima da Silva Miranda Henriques). Veio a ser arcebispo primaz de Braga.
Estes dois, juntamente com D. José, filho da religiosa madre Paula de Odivelas (Paula Teresa da Silva), e que exerceu o cargo de Inquisidor-mor, ficaram conhecidos pelos “Meninos de Palhavã”.
A expressão deriva do facto de terem habitado no palácio do marquês de Louriçal, na zona de Palhavã, na altura arredores de Lisboa mas que hoje se situa em plena cidade (o edifício – denominado Palácio da Azambuja – é hoje a Embaixada de Espanha em Lisboa, ou “Palácio dos Meninos de Palhavã”). Receberam educação em Santa Cruz de Coimbra sob o preceptorado de Frei Gaspar da Encarnação para se fazerem religiosos
Semi-clandestinos, semi-escandalosos, os amores ilícitos de D. João V produziram, além dos “Meninos de Palhavã”, D. Maria Rita, que não foi reconhecida, e acabou por ir para… freira. Era filha de D. Luísa Clara de Portugal, que passou à história com o cognome da sua casa: a Flor da Murta.
Madre Paula sobreviveu 35 anos ao amante, sempre tratada com a maior consideração. No século XX, o convento de Odivelas foi transformado em colégio feminino, para as filhas de oficiais das Forças Armadas.
A obsessão de D. João V pelo sexo levou-o ao uso descontrolado de afrodisíacos, designadamente cantáridas, que lhe minaram a saúde e apressaram a morte. O Rei faleceu em 31 de Julho de 1750 após quase meio século de governo. Jaz no Panteão dos Braganças, ao lado da esposa, no mosteiro de São Vicente de Fora em Lisboa.
Adaptado: daqui
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