De uma forma genérica, o traje à lavradeira era a roupa que a mulher do campo usava nas suas lides diárias como em dias de festa e de romaria, diferenciando-se naturalmente a que empregava no trabalho da que guardava para ocasiões especiais. E distinguia-se ainda segundo a sua idade, estado civil ou estatuto social. A não ser que se estivesse perante um caso de perturbação do foro psíquico, ninguém esperaria ver uma respeitável matriarca com um traje garrido, dos jeitos que usavam as moças da Areosa
Mas, no Minho, a mulher não exercia exclusivamente um ofício qualquer que ele fosse. Era ela quem trabalhava no campo e cuidava da família e das lides da casa, que semeava o linho, espadelava, fiava e tecia. E, sempre que as obrigações domésticas o permitiam, era ainda ela quem bordava ou rendilhava. Ela era simultaneamente lavradeira e tecedeira, bordadeira e rendilheira, esposa e mãe. Por conseguinte, a designação de lavradeira apenas nos proporciona uma ideia pálida da grandeza da mulher minhota – e uma classificação algo incompleta do traje que usava!
Mas o traje antigo da mulher rural do Minho não era uniforme, variando ainda consoante a região – ou sub-região se assim o entenderem! – de acordo com as necessidades climatéricas, os rituais e as mentalidades, o caráter e a habilidade das talentosas artistas que o confecionam.
Alegres e vistosos na Ribeira Lima, desde Viana do Castelo até Ponte de Lima, com mais estopa na Serra d’Arga, mudam completamente de cor a partir de São Martinho da Gandra para quem segue o percurso do rio Lima até ao Soajo.
E, que dizer do traje de lavradeira de Ponte da Barca, de Barcelos ou de capotilha na região de Braga?
Todos estes e muitos outros, com as formas mais diversas, mais não são do que variantes do traje de lavradeira minhota ou, melhor dizendo, diferentes trajes que a mulher rural outrora usava no Minho.
Naturalmente, a vivacidade das cores e a beleza artística do traje usado nas zonas rurais à volta de Viana do Castelo despertaram a curiosidade da burguesia citadina e veio mais tarde a tornar-se no cartaz turístico de uma região. Mas, perdoem-me os folcloristas, Viana do Castelo não é apenas terra de lavradeiras – aqui também existem pescadores e peixeiras e, tempos houve que também existiam marinhas de sal e cuidava-se da seca do bacalhau. E, não obstante, não vemos os costumes dos marnotos representados pelos grupos de folclore!
Sucede que a primeira função do vestuário é agasalhar a pessoa que o utiliza. Não obstante e sem descurar essa finalidade, o Homem procura dotá-lo de beleza e através dele transmitir as suas ideias e sensações. Com efeito, a arte apenas serve para nos alegrar a vida!
As transformações impostas pelo tempo, nomeadamente o aparecimento de novas modas burguesas e ainda a sua utilização por parte de regimes autoritários como o Estado Novo, fizeram do folclore uma das vertentes da promoção turística levaram à adulteração do traje, à semelhança do que se verificou com o artesanato, as danças e de uma maneira geral tudo quanto se relaciona com a nossa cultura tradicional. Apareceram as saias curtas e as unhas postiças, os botões de plástico em série sobre coletes recortados e chapéus á toureiro, a maquilhagem e os acessórios da moda atual. É o “folclore” do tipo bilhete-postal para vender ao turista. De resto, passou a constituir uma das atrações das chamadas “casas de fado”, depois do antigo regime retirar das vielas mal frequentadas este género musical e atribuir aos faias carteira profissional…
A partir da década de quarenta do século passado, sob a orientação dos folcloristas afetos ao regime e o patrocínio das Casas do Povo, da Mocidade Portuguesa, da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) e do Secretariado Nacional da informação (SNI), foram constituídos muitos grupos folclóricos que passaram a servir de modelo para os que entretanto foram aparecendo até ao presente. Sem qualquer preocupação de natureza cultural nem rigor técnico, copia-se o figurino, quando não se procede à compra do “fardamento” por atacado numa qualquer loja da especialidade… é o folclore que temos!
Fazem-nos atualmente crer certos folcloristas que apenas o chamado traje à vianesa deve ser considerado como traje de lavradeira, na suposição de que não existiam outrora no Minho mais lavradeiras nem as mulheres faziam outra coisa senão vestir o traje domingueiro, não iam ao tear nem bordavam… eram apenas lavradeiras de ir á festa!
Fotos: https://jornalc.pt
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